Ce texte est paru dans le Jornal de Letras, daté du 23/ 7/ 91, je l'avais écrit, suite à un appel du journal à ses lecteurs à propos de la culture portugaise dans le monde. Je m'apprêtais à quitter Le Havre pour aller travailler aux Açores comme lectrice. J'avais rendez-vous Boulevard Saint Michel avec le responsable du Français à l'Université des Açores, Mau tempo no canal sous le bras pour être identifiée.
Le courriel récent de Maximo, un de mes colocataires de Lisbonne en 1986 après 15 ans de silence m'a replongée dans mon bain-marie lisboète. ( mes excuses pour les accents portugais que mon clavier ne sait pas faire) En italique gras, les commentaires d' août 2006.
Descobri a cultura portuguesa por acaso ha mais ou menos sete anos (en fait pour les lecteurs d'aujourd'hui, ça fait plutôt 22 ans, mazette !). Até la so tinha conhecido Lucia Teixeira, por ser minha colega de 3ème 2 no colégio Jeanne d'Arc. So me lembro da sua cara timida e dos seus "mollets" um pouco redondos.
CINEMA...
Um dia, fiz ferias em Portugal com uma amiga que tinha visto Der Stand der Dinge e que andava a procura do que ela chamava " l'hôtel de l'Etat des choses". O hotel, finalmente, encontramos, mas as coisas ja tinham mudado de estado ( a piscina partida, do melhor efeito, ja tinha sido reparada com o dinheiro ganho, suponho eu). Alem desse hotel, o segundo desejo da minha amiga cinefila era ver filmes de reis-e-cordeiro-joao-botelho-manoel-de-oliveira.
Ela dizia assim como se fosse um so nome. E com o sotaque francês de quem tudo ignora da pronuncia do portugues padrao. Nao sei se foi por causa disso ou por o publico os ignorar naquela altura mas ninguem nos soube responder salvo um empregado da cinemateca. Nem José Teixeira, nem Lino nao-sei -quê, nem "Tremblement de terre" rapaz de dufle-coat que anunciava um terramoto pior do de 1755, encontrados "por acaso" na esplanada da Suiça (Dois anos depois, assisti à mesma cena com os rapazes no mesmo papel e turistas alemas no nosso).
A nossa excursao cinefila nao pôde evitar o Texas bar e mandei a todos os meus amigos postais em branco :
" comme tu le vois, il s'agit d'une errance dans la ville blanche", prova que eu nao era totalmente virgem de imagens lisboetas et cinematograficas.
AMOR
No comboio de volta, encontramos três jovens portugueses que iam para a Suiça de férias. Falavam francês. tinha latas de Atum bom petisco na mala.
Alguns meses depois, voltei para Lisboa. Achava-me apaixonada por um dos rapazes do comboio, o Chico. Foi assim que , ao pé duma cama de filho de familia provavelmente salazarista, ouvi falar de Fernando Pessoa como um dos maiores poetas do século. Vale a pena as vezes achar-se apaixonada.
Voltada novamente para França, consegui arrajar uma traduçao de Tabacaria mas tive de encomendar directamente ao editor ( Editions Unes)
Em 1985 ainda nao se encontrava nada na maioria das livrarias. Hoje mesmo (en 91) na livraria onde trabalho ( c'était la Galerne au Havre) o patrao enorgulha-se de ter na estante as obras completas desse "génio da NOSSA literatura mundial".
Li Tabacaria. Gostei. Ofereci-o à volta de mim. Gostaram. Os quatro primeiros versos tornaram-se o nosso santo-e-senha.
( Je dois confesser qu'un autre jeune du train a joué un rôle très important dans mon initiation. Mais à l'époque de l'article (1991), j'étais inscrite en maîtrise de portugais à la Sorbonne et j'ai écarté quelques détails, sotte que j'étais. Cet autre "rapaz" , Octavio, qui habitait Alcantara et travaillé sur le port m'a aussi fait un sacré cadeau et je le mesure aujourd'hui : une compilation de chansons de Sergio Godinho. Sergio, c'est mon prof particulier de portugais, ses chansons, je les ai chantées des centaines de fois : o pao, a paz, habitaçao, saude, educaçao, so a liberdade a serio... mieux que le labo de langues...) et en ce mois d'août 2006, temps de pénurie et de décroissance, j'ai quand même acheté à la FNAC ( la FNAC, tu le crois, toi dans les armazens du chiado) un disque de Sergio ao vivo, la compil de José Afonso qu'on avait en disques vinyl et Tabacaria pour l'offrir à Cécilia. D'aucuns diront qu'en 22 ans, je n'ai pas beaucoup évolué. C'est la "bela adormecida", ta culture portugaise ! Tanto faz. Quando a gente gosta. En tout cas merci Sergio, merci Octavio.)
PENITÊNCIA.
Foi um tempo de imensa culpa de ter vivido ao lado de Lucias Teixeiras sem nem sequer suspeitar que tinham lingua, historia e cultura. Começaram entao anos de penitência : resolvi aprender a lingua portuguesa com uma Brasileira que morava do lado de Montparnasse.
Ja nao sei se foi por penitência ou para agradar ao meu amante.
Talvez fosse por amor que descobri a cultura portuguesa. Os principios sendo dificeis, tomei uma decisao : deixar o meu trabalho estupido num escritorio
( jornalista) e ir para Portugal aprender a lingua de Fernando Pessoa. Na época, ja podia dizer a lingua de Pessoa e Lobo Antunes, cujo Cus de Judas acabava de sair numa traduçao francesa (AM Métaillé) e que me oferecia uma série de imagens que cabiam bem com as lembranças do meu amor ja acabado : imagens de soldados bêbedos num bar de Mafra onde ele me tinha levado para comer um bife que sobrenadava numa quantia incrivel de molho de manteiga, imagens de Lisboa à noite, nos bares, na Marginal a escutar historias de mercenarios portugueses contratados por via de tracts publicitarios para combater em Angola e que voltavam meses depois totalmente malucos.
Totalmente maluco era tambem esse tipo de alcunha "Le Fou"( en français dans le texte) que trabalhava numa oficina de mecânica automovel e que morava com os seus pais num prédio de luxo mal acabado tipo nouveaux riches com ouro de todos os lados, num suburbio da cidade. Lembro-me dele mostrando com imenso orgulho as fotografias do seu serviço militar que tinha feito nos paraquedistas.
E ainda a imagem desse homem que trabalhava numa agencia de publicidade, que tinha em cima da sua mesa um prato que continha a sua propria sepultura e que dizia ter voltado " morto" de Moçambique.
E OUTRAS HISTORIAS...
Mas, na hora da partida, preferi esquecer essas imagens de pesadelo. Preferi partir com uma lembrança que me aperecia como um bom presagio: o encontro, em Orléans, de Ricardo Reis em carne e osso, num tal Jean Louis Langlois que, provavelmente até hoje, ignora ser o que é mas que pronunciava com uma exactidao as palavras do heteronimo : "Moins tu désires, plus tu es libre." dizia esse campeao do "mol abandon à l'heure fugitive".
Ao fim de contas, nao se sabe bem se nao tentei escapar a depressao, fugindo para Portugal. O que é certo é que me inscrivi logo na Faculdade de Letras de Lisboa ( em que existe um departamento de lingua e cultura portuguesa para estrangeiros).
Estrangeiros, encontrei muitos : Ola Josine ! Ola Sourou ! Ola Christine K ! Ola Maximo ! Ola Shu Pei ! Ola Mamadou Mané !
Havia la estrangeiros vindos do mundo inteiro para conhecer melhor a cultura portuguesa. Havia quem tinha chegado la por amor, por acaso, por casamento, para fugir ou mais seriamente por motivos universitarios ou profissionais.
Lingua e cultura tambem havia ( Obrigada JM Magalhaes! , Obrigada Cleonice !..)
Desses tempos em Portugal, lembro muito bem da Sombra de Fernando Pessoa. Na altura nao tinha ele ainda uma estatua no Chiado e o Martinho da Arcada nao tinha essa configuraçao.
Fui viver numa casa em Sao Joao de Estoril que pertencia a uma Dona Riqueta, com estudantes estrangeiros. Fiquei ignorante da celebridade da dona de casa até que um dia a mulher a dias me explicou que o armario em que o professor Graham da Cambridge school punha os seus resultados de cricket tinha pertencido a ELE . Como ? A Menina nao sabe. A senhora dona Riqueta é mesmo irma dELE, meia, mas irma ainda mais.
Na minha memoria, ha tambem uma cama de casal em que ELE dormiu mas talvez seja invençao pura.
Ha acontecimentos na vida me fazem pensar que a gente esta mesmo no bom caminho, isto é, o da cultura portuguesa.
Um outro dia, , na Linha verde, dei-me com um dos vario heteronimos que o poeta deixou a deambular na cidade ( muitas vezes ao chegar o JMM de chapeu, oculos e gabardina...)
Era uma homem novo, de oculos e ja meio careca. Olhou-me longamente com sorriso, entregou-me um papel e saiu depressa do autocarro. Li com dificuldade :
Realizar o amor é desiludir-se Quando nao é desiludir-se é acostumar-se Acostumar-se é morrer. Por mim so amei na minha vida e amo a um estrangeiro de quem nao vi mais do que o perfil, a um cair de tarde quando estavamos numa multidao...
e vinha assinado : Fernando Pessoa.
Uma outra coisa que me fez muito impressao durante a minha estadia em Portugal foi o que eu chamava na altura o mistério " nos, portugueses, somos". Era o meu assunto preferido quando, na Faculdade, tinhamos de entregar um trabalho escrito livre. Começava assim : "O que me admira mais em Portugal é essa maneira que têm os Portugueses de usar o deictico "nos". Nao digo que nao existem Franceses que usam o "nous" mais em Portugal é generalizado."
Os estrangeiros nunca poderiam compreender os Portugueses porque eles " nos" eram pessoas muito especiais etc, etc, e vinha irremediavelmente essa historia de saudade que tambem nos nao podiamos perceber por ser tambem uma coisa muito especial. Achei muito interessante esse "ser" portugues" e passei quase dois anos a procura dele. Nao vi passar o tempo, mas chega um dia em que se ha de voltar a realidade , que se chama França. E voltei.
Mas nao acabou assim a minha descoberta de Portugal. Voltava com muitas coisas na mala e nao so Atum Bom Petisco mas tambem flan Chino, cha lungo, chouriço caseiro e broa de milho. Havia la versos de Alexandre O' Neill ( um adeus portugues), Ruy Belo( esplendor na relva), Ruy Cinatti ( eu comi uma inglesa) et Herberto Helder (" amo devagar os amigos que sao tristes...") Havia tambem versos de poetas brasileiros , os de Joao Cabral, os de Manuel Bandeira (" Recife bom de meu avô", "boi morto, boi morto..."
e ainda um Fernando Pessoa de papel à fabriquer soi-même, ( Qui n'a jamais été construit, d'ailleurs),cadernos pretos da papelaria Fernandes( qui existent toujours en 2006 pour tuer la saudade qui en a bien besoin),pedacinhos de azulejos, pacotes de portugês suave, SG, Definitivos, provisorios, Santa Maria, Kentucky, que eu levava so para as olhar que nunca consegui fumar, janelas de Amadeo de Souza Cardoso e Miqués de Paula Rego (que vai ter um museu em Cascais, disse o Diario de noticias), um pequeno ex-voto roubado por Luis à tia
( O que tera acontecido a ele, que fugiu da tropa para ir ter com o seu amor, la na alemanha?) e um de Santa Rita encontrado em Evora, postais da Feira da Ladra entre os quais o delicioso"saudade dos olhos negros", mandado por Yvette-gentil lutin nantais a sua "correspondante"portuguesa.Havia, pois, muito mais coisas mas fazer o inventario hoje é começar com certeza um romance.( que alias e infelizmente nunca começei)
E com essas malas todas que cheguei a Bretanha com a decisao de as abrir o mais depressa possivel. O que eu fiz. Na Universidade de Rennes. Descobri uma outra face da cultura portuguesa, a de Viagens na minha terra, de Frei Luis de Sousa ( drama ou tragédia ?) que continuou no ano seguinte em Paris pela questao " Peregrinaçao, romance de aventura ?"( Estava mesmo a exagerar naquela altura, pois em Rennes e em Paris tambem tive bons professores como o Gilberto ( Mendonça Teles) ou a Leila (Peyrone Moisés) )
Vou andando, nao me canso apesar das questoes chatas e da saudade que eu tenho da outra cultura que conheci em Portugal, a viva. ( Le Havre 1991)
(E verdade 22 anos depois, voltamos sempre, um ano inteiro em 94-95, e depois, ano sim, ano nao, como "quase emigrantes" que nos tornamos a ser. Com os nossos filhos que tem nomes portugueses e a nossa maneira de falar português com sotaque francês, ja sentimos desprezo no olhar de alguns. E interessante... E quando a gente explica, que nao, nao somos portugueses, ainda pior, somos uns que nao conseguem assumir a sua portugalidade.
Tanto vez, se ja consegui ser filha de emigrante português, um dia é certo, encontrarei o famoso "ser português"( porque a saudade, amigos, ja senti mesmo com o melhor optimismo...) e se calhar, Senhor Chico do Comboio, serei PORTUGUESA. Rochefort 2006)
2 commentaires:
Olá!
Há dias, em arrumações da "rentrée" encontrei dois postais de exposições da Christine que guardo há vários anos. Fiz uma pesquisa no google e vim aqui parar.
Lembro-me bem da exposição que fez no Bairro Alto, no imenso espaço que ficava nas traseiras da loja Papel & Companhia. Eu estave ligada a essa loja que, infelizmente, já fechou.
Não quis deixar de dizer que gosto muito do seu trabalho e que achei este post, escrito em português, muito bonito.
Um beijinho
Desde Madrid, muito obrigado pelas tuas referências a mim neste teu blog tão giro. Lamento não ter agora muito tempo para te responder e confirmar assim todas essas vivências lisboetas das que fomos testemunhas. Aqueles dois anos tão intensos que ainda hoje fazem parte de mim.
Faz um ano passei pela Rua Santa Rita, de São João do Estoril a procurar aquela casa onde o Fernando Pessoa passou alguns verãos familiares e onde a Christine e eu e mais nove ingleses e uma macedônia e uma suiça, etc, etc, cinquenta anos depois moramos e que foi frequentada por amigos de vinte, trinta, quarenta ou mais nacionalidades (eu estou certo que o Pessoa frequentou aquelas reuniões....., tal vez como Alberto Caeiro, como bom guardador de rebanhos...).
Beijinhos.
Máximo
Enregistrer un commentaire